Tinha uma missão. Era simples: comprar uma prenda. Sabia o que queria; o tipo e o preço-limite. Pensei num vestido e, por ele, percorri a Zara do Rossio como Maria João Pires percorre o piano.
Tem graça: eu, com uma intenção tão simples e pequena, como comprar uma prenda, perante um edifício que se poderia impor a Ivan, o Terrível. Isso, leitor: a Zara do Rossio é a segunda maior do mundo e a primeira chaga de quem não aprecia labirintos.
É o meu caso, mea culpa. Nem labirintos nem elevadores a aguardar vistoria. Sei agora, contam as pernas, dos recantos do primeiro ao último andar. Alguns pontos-chave: a roupa não se encontra, busca-se; o funcionário não se busca, encontra-se. Foi por detrás de um expositor que, entretanto, encontrei um benfeitor.
Com despudor, perguntei-lhe:
— Boa tarde, estou à procura deste artigo (aponto para o telemóvel). Têm-no em stock? Até agora, não encontrei…
— Mas olhe que há, vejo aqui no sistema. Deve encontrar em breve, não duvido.
Ele não duvidava.
Procurei por quem duvidasse. Um andar acima, avistei outro benfeitor – melhor: benfeitora. Após o sinal de socorro – o levantar lento e piedoso de uma mão -, veio em meu auxílio. Em sorrisos e prontidão, questionou:
— Posso ajudar?
— Espero que sim — respondi. Procuro este artigo e não o encontro.
Por três segundos, ela observava-me; e eu a ela.
Até que surge a boa nova, sob hosanas e barulhos de sapatos: “não devia fazê-lo, mas sei que há uma peça desse artigo que entrará em exposição amanhã. Ficará com ela; amanhã digo a quem der pela falta dela que deve ter ido para outra loja”. Mentirinha branda.
Agradeci, enquanto os meus pés chacinados oravam. Fica a lição, leitor: minta por uma prenda ao entrequerido – diria a funcionária, não eu. Aguardei pela peça, até que a tive em mãos. Olhei-a; toquei-a; não a beijei. Dirigi-me à caixa.
Uns quilómetros depois, encontrei a caixa. No plural: as caixas. Pus-me à beira de uma, a aguardar pelo funcionário. Nicles: ninguém apareceu. Até que vi uma senhora, com um bebé num carrinho e um molho de roupa por pagar, a trabalhar. Sem uniforme, sem t-shirt com logótipo, sem “olá, boa tarde”. Trabalhava. Para minha surpresa e ignorância, em modo ultra.
O novo trabalho é assim: ultra e megalómano. À velocidade do infravermelho; na ameaça da pistola do código de barras. Tudo pela experiência, pela queima de calorias e, é claro, sempre pelo bem da humanidade. É por esse que, aliás, a Zara estabeleceu este novo modo de gerir pagamentos. Digital, sustentável, intuitivo e totalmente pró-cliente.
O pagamento fica pró cliente. Embalar fica pró cliente. O talão fica pró cliente. O trabalho fica pró cliente. A peça fica pró cliente. Vi e aprendi; depois comprovei.
É a nova dieta que eu e o leitor vamos ruminando: mais ossos do que carne. Estafados e subnutridos, em qualquer domingo à tarde, com uma missão e uma grande superfície de obstáculo.
E a missão era simples.