Leitor, saiba que se pode arrepender. Keith McNally, restaurateur da Manhattan in, comprova-o por um ato de contrição. É a sério – pelo menos parece. “I Regret Almost Everything” é o título das suas memórias. E um tratado.
Saiba também que não deve escrever bêbado, leitor. A não ser que tenha asas, voe ou seja Christopher Hitchens, que foi amigo de McNally. O copo é inimigo do prazo: imagine cinco horas de Johnnie Walker e vinho tinto. Bem: foi o que Hitchens bebeu no último jantar a dois com o amigo e dono do restaurante Balthazar. O prazo para enviar o artigo da semana, para a Vanity Fair, era curto.
Era a manhã seguinte. McNally, estragando-lhe o sono, lembrou-o às 9. A chamada foi curta e grossa e inútil. Tinha-o escrito e entregue às 8. Hitchens, como outros, acreditava na lâmpada da imaginação. Aquilo que, de algum canto da mente, aparece. Sempre aparece, se procurada – com tempo ou à pressão.
Falo por mim que a procuro. E aí o juiz é o leitor: julgue-me. A mim e ao meu arquivo. Uma série de ocorrências, dúvidas e delírios. Sem data, notei ontem. O que me leva a tentar identificar, pela ocorrência, a vivência. O momento. Se mais melancólica, estaria eu num bar a meia-luz? Se mais alegre, estaria eu a receber a prima recém-nascida em casa? Tudo isso é, pelos vistos, digno de nota.
Parte do arquivo vira artigo. Este, a título de exemplo, não; mas o seu título sim. Tinha-o há muito encostado e a ganhar pó: “Arrependa-se”. Era um mandato para pensar e discorrer o pensamento em palavras. Ou para recriar conversas à mesa.
McNally e Hitchens, como eu e muitos amigos, tinham-nas. De longe a longe, quando se encontravam, era à mesa. Do pequeno almoço à ceia, a mesa é o lugar de eleição para pôr a conversa em dia. Também os arrependimentos. Os distantes; os menos distantes; os imediatos. Pedir croissant francês em vez do brioche português. Lamentar, num lamento cínico, a pastilha elástica que se deitou à autoestrada, pelo caminho. Haverá outros. Os reais arrependimentos: a palavra a mais, o contacto a menos.
Se a ação pode ser prudente, o arrependimento nunca o é. Não vem de pantufas, vem de botas. Parte a porta, não a abre. Impõe-se. Por ser necessário. E, inclusive, hilariante. Pois vem do embaraço e só o embaraçado tem histórias para contar. Uma vida que não possa ser contada tem ponto de ebulição. E o que conta é ficar nas histórias que outros contam à chegada dos camarões.
Interrompo agora a crónica para almoçar – chegou a hora.
Talvez se perca o fio. Talvez me arrependa.